Cinza
Vivia inventando fatos verídicos.
Tá vendo essa árvore? Ela já foi uma semente desse tamanho, ó. E ficou grande assim. Veio o sol, veio a chuva, o dia, a noite, e ela soube usar o que a natureza ofereceu prá ficar desse tamanho. Hoje ela vai embora. Árvore não volta, árvore não tem saudade, árvore não vai ali dar uma saidinha e já, já tá aí. Ela vai embora e pronto. Ela não vai embora porque quer, alguém resolveu que era a hora dela sair daí. E eu vou sentir saudade. Eu já a abracei tanto, já escrevi teu nome nela, contei coisas que não falo com ninguém prá ela, olhei as folhas verdinhas pensando que coisa mais linda, meu deus. Vão plantar um muro cinza no lugar. Ela nem viu meu filho, ele não vai poder subir nela como eu fazia, nem vai ver como ela fica linda quando usa aquela roupa amarela. Ninguém mais vai ver isso. Só eu vou saber que ela existiu. Ninguém vai ver o muro cinza e pensar puxa, deviam derrubar isso e plantar uma árvore aqui. Árvores não fazem nada, só ficam ali, vendo a vida passar, crescem devagarinho, não vale a pena. Não vale a pena. Só servem pra eu ficar olhando pro desenho que os galhos e as folhas fazem e pensar que coisa mais linda, meu deus.
Vivia inventando fatos verídicos.
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