- Desce daí! Já tá todo mundo olhando!

"Todo mundo" eram dois bêbados de olhos esbugalhados. Deviam estar tão assustados quanto eu fiquei na primeira vez que ela fez aquilo. Faltava uma semana pra gente se casar.

- Amor, a gente vai se casar, então é melhor que a gente saiba tudo, tudo, tudo um sobre o outro. Eu tenho um probleminha.

Ela subia pelas paredes. Literalmente. Só os pais sabiam. E eu. Chegava perto da parede, colocava um pé, colocava o outro e continuava andando, como se nada tivesse acontecido. Subia até o teto. Colocava um pé (
no teto), depois o outro etc. Contou que a maior diversão na escola era encher o teto de pegadas quando ninguém estava vendo e ver as pessoas espantadas tentando adivinhar quem e como tinham feito aquilo. Era ótimo pra trocar lâmpadas. Também poderiamos ter escrito novos capítulos para o Kama Sutra.

Depois que nos casamos qualquer briguinha era motivo pra ela dormir no teto. Claro que só ela dormia. Não conseguia pregar o olho com aquela visão: ela lá, bem cima de mim, deitada do lado da lâmpada, roncando, se virando, babando. No meu travesseiro, já que o probleminha não afetava sua saliva. Felizmente nunca tive a chance de constatar ao vivo se outros líquidos do corpo dela apresentavam o mesmo comportamento. Ela disse que sim, e não só os líquidos. Nem gosto de imaginar como fez a experiência.

Mas o casamento não deu certo. Separamos. Não por causa do probleminha, foi porque não nos entendemos mesmo. Continuamos amigos, saíamos ainda juntos, nem parecia que estavamos separados. Voltamos a namorar, veja só, e estava melhor que antes.

Aí veio a noite em que brigamos e ela bebeu muito. Subiu numa marquise pra me deixar nervoso. Brincadeira de bêbado. Odeio brincadeira de bêbado.
Nunca havia feito isso em público. Público bêbado.

- Desce daí! Já tá todo mundo olhando!

- Não, eu quero ver o que acontece.

Ela queria ir até a beira da marquise e pular. Sentou e ficou lá, de cabeça para baixo, balançando as pernas em direção ao céu.

- Você vai cair! Desce, por favor...

- Cair pra que lado, hein? Quero ver o que acontece.

Levantou-se e pulou para fora da marquise. Caiu. Para cima. Na minha cabeça ela subiu como um balão cheio de gás, mas na verdade foi bem rápido. 9m/s de aceleração. Sumiu num céu estrelado. Subiu. Eu sei. Eu vi.

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