André
Ouvindo: o som nosso de cada dia.
André era o craque do bairro. Sempre o primeiro a ser escolhido nas peladas, apesar da pouca idade - 10 anos - e de ser franzino. Os desocupados de plantão paravam o que estavam fazendo, que já era nada, mesmo, para ver o moleque jogando. Ele tinha um irmão mais velho que sentia orgulho e inveja ao mesmo tempo pelo irmão. Mas se amavam. Dia desses estavam jogando bola no quintal de casa com o portão aberto. Um chute mais forte de André produziu dois efeitos: um golaço e a fuga da bola rua abaixo. "- Aí, moleque, olha o que cê fez! Agora corre, vai buscar a bola!", gritou o irmão, dando um tapa na cabeça de André. Ele saiu desesperado. Só notou o carro que vinha em alta velocidade quando o barulho dos pneus machucou seus ouvidos. A sensação de pressão nas pernas, que cederam feito varetas, foi esquisita mas indolor. O vôo por alguns metros, a queda no châo e o corpo rolando mais que a bola duraram uma eternidade para quem viu. Durou mais que isso para André, que não entendia o que se passava. A última coisa que ele viu foi a bola descendo pela sarjeta. A última coisa que ouviu foi o grito desesperado do irmão. A última coisa que sentiu foi o calor do sangue que vertia de seu corpo. A última coisa que pensou foi desejar que sua mãe não ficasse com raiva do irmão. Não houve mais futebol na rua de André.
Ouvindo: o som nosso de cada dia.
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