Pequeno conto meio amargo

Odeio esse trabalho, seu moço. Cada um que me aparece... Só tem doido. Mas, fazer o quê, não é? Tenho mulher e filhos, não posso faltar com o pão em casa. Mas esse último cliente foi demais, deu vontade de desistir de tudo. Recebo tudo quanto é serviço sem reclamar: homem, mulher, viado, só não atendo quando é criança que aí também já é demais. Aí me aparece esse. Cada doido. Me entregou um envelope e disse: espera eu estar longe e abre isso aí. Tudo bem, o senhor é quem manda. Esperei meia hora e abri o envelope. Para começar o pagamento já estava lá. Eu não gosto de receber adiantado, dá uma preguiça de fazer o serviço depois! Tinha um bilhete que explicava nada, mas entendi tudo. Ô servicinho ruim dos inferno esse meu, seu moço! Tava escrito assim no bilhete:

Não sei como te dizer. É muito difícil para mim. Por favor, respeite minha vontade. Veja a foto.

A foto era dele mesmo. Só o que me faltava. Ele disse que ia ser difícil. Preciso arranjar outro emprego, mesmo. Mas... não posso deixar faltar o pão em casa. Sabe como é, a mulher, as criança... Nunca tive coragem de contar o que eu faço para eles. Tenho medo de eles quererem fazer o mesmo. O mais velho me olha de um jeito estranho, parece que sabe sem eu nunca ter falado. Mas, seu moço, eu tava contando do cliente. Foi difícil encontrar ele de novo porque eu não podia ir na casa nem no trabalho dele. Levei dois dias e achei o figura bebendo sozinho num boteco. Fiquei esperando lá fora, do outro lado da rua, na esquina. Eu tinha certeza que ele não queria saber que eu tava ali, que ele não queria saber que aquela era a hora de fazer a vontade dele. Ele saiu tarde, bêbado de dar dó. Já devia estar cheio dessa vida mesmo, que é difícil segurar o rojão - você sabe, não é não, seu moço. Segui ele de longe e até que foi fácil - a primeira ruazinha escura que ele entrou cheguei por trás e fiz o serviço. Moço, às vezes eu tenho muita vontade de, sei lá, achar um bico no centro, trabalhar em escritório. Mas o dinheiro é pouco e já estou velho. E tem o pão das criança... não pode faltar. Só peço a Deus que não coloque mais um suicida no meu caminho, que aí eu largo esse ofício de matador que é uma vida muito sofrida, seu moço.

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